sexta-feira, 19 de junho de 2020

O PT e o Racismo


Luciano Oliveira[i]

¨O preconceito e o racismo ainda existe, são evidentes em nossa sociedade. O que vinha estampado, hoje vive com máscaras¨. Luiz Fernando Sabino


Nos últimos dias, o tema racismo tem protagonizado as pautas de debates em todos os cantos. As manifestações antirracismo que começaram nos Estados Unidos – pois foi lá que aconteceu o episódio que fez eclodir os protestos — ganharam o mundo, porque para além da natural indignação que o fato suscita, também é verdade que as injustiças raciais são sentidas mundo afora.

Se não conhecêssemos a realidade brasileira, acharíamos normal que redes de televisões e de rádios destinassem generosos espaços para o debate sobre o racismo, mas infelizmente tudo isso é exceção, quando deveria ser regra. Nem a imprensa, e muito menos a sociedade quer discutir o racismo no Brasil, aliás, o rapper Emicida definiu bem a situação: foi preciso um acontecimento trágico nos Estados Unidos, para provocar a discussão aqui. Não faltam tragédias provocadas pelo preconceito racial em terras brasileiras, os dados referentes à violência sofrida pelas pessoas negras são estarrecedores, mas nos acostumamos a naturalizar esses acontecimentos.

E quando se fala em violência, não é só a violência física, mas também a simbólica, que mostra sua cara na negação de oportunidades, criando obstáculos para que os negros não consigam transpassar certas etapas impostas pela própria sociedade, para não permitir aos negros, chance de uma emancipação de verdade.

O racismo brasileiro é deveras perverso, porque é negado todos os dias, como não se permite discutir, perante à sociedade, ele não existe, e se ele não existe, então é o negro que se vitimiza, pois se não tem maiores oportunidades de ascensão, é porque não faz por merecer, não se esforça, é preguiçoso, ou seja, de maneira cruel e hipócrita, se impede de todas as formas que o povo negro progrida na escala social, e ao mesmo tempo, em que arruma um jeito de culpar os negros pelos seus próprios infortúnios.

Esse cenário produziu uma nefasta consequência: muitos negros, desde cedo, embalados pela falácia da democracia racial, propagada criminosamente pela elite escravocrata, num afã de serem ¨aceitos¨ e iludidos pelo discurso farsesco  que os mantém cativos, aliam-se justamente àqueles que os exploram.

Diante de todo o exposto, resta a nós negros, se pretendemos mudar a nossa realidade como um todo, participar diretamente de decisões que impactem o cotidiano da população negra, criando políticas públicas de promoção e proteção. Assim, precisamos nos organizar em movimentos civis e em partidos políticos.

E é nesse aspecto que precisamos avaliar o modo como somos acolhidos nas agremiações partidárias. Entendendo que, as tomadas de decisão, aquelas que vão influir decisivamente na vida da população negra, só serão factíveis, ocupando espaços de poder facultado pelo livre exercício político-partidário. Aí começa outro tipo de problema, invariavelmente, somos muito bem recebidos nos partidos, muitos são os discursos bonitos, muitos são os discursos exaltando a unidade e defesa intransigente da igualdade de direitos.

Mas dificilmente passa disso. Discursos. Porque na prática, a situação é bem diferente. Precisamos falar sobre isso, precisamos fazer esse debate. Sou um militante petista convicto, orgulhoso das pautas que defendo, dentro de um partido que defende as mesmas pautas, fraternas, solidárias e humanistas, por isso eu não poderia estar em outro lugar. Não me vejo carregando outra bandeira. Porém, eu e muitos companheiros negros do PT temos sérias críticas quanto à condução do Partido no que diz respeito aos espaços que são destinados ao nosso coletivo.

É inegável que a população negra brasileira foi beneficiária das muitas políticas públicas implementadas graças ao Partido dos Trabalhadores, ações que favoreceram sobremaneira o nosso povo, entretanto, nós que estamos dentro do partido, vimos repetidas vezes, companheiros negros com história e qualificação serem deixados de lado. Faço parte da Setorial de Combate ao Racismo do PT. Não foram poucas às vezes em que tentamos emplacar alguém do nosso coletivo em espaços de poder, e inúmeras vezes fomos surpreendidos com decisões que vinham ¨de cima¨ nos desautorizando, e colocando um companheiro branco no lugar, sem ao menos, uma explicação razoável.

De tanto se ver repetir essa prática, muitos companheiros negros deixaram a política, outros migraram para outros partidos de esquerda, e tem também aqueles que foram para a direita, e muitos dizem estar melhor do que quando estavam no PT.

Fomos governos federal, estadual e municipal. Quantos negros em cargos relevantes tivemos nas três esferas? Pode um segmento se cacifar politicamente sem ocupar uma posição de ponta?

No nosso município, em três mandatos muito pouco se fez para mudar esse quadro. A bem da verdade, é importante que se registre, que apesar do PT ser forte defensor das pautas da diversidade, não só os negros enfrentam barreiras no partido, assim acontece com companheiros da pauta LGBTI+, da pauta das mulheres e também da juventude.

É preciso que reconheçamos que temos companheiros racistas, homofóbicos e machistas em nosso meio. Participei de uma campanha do CODENE (Conselho de Desenvolvimento do Povo Negro), entidade estadual, para acompanhar a constituição de Conselhos Municipais de Combate ao Racismo Estado afora, não foram poucos os municípios em que tivemos problemas justamente com vereadores do PT, que em muitos casos, votaram contra a criação dos Conselhos. Em algumas cidades, partidos de direita apoiaram, e o PT não.

Ainda acredito que o Partido dos Trabalhadores é a principal ferramenta de transformação das condições de vida do povo sapucaiense, riograndense e brasileiro, mas será que já não está passando da hora de falarmos algumas verdades? Vamos fechar os olhos para o fato de que muitos de nossos companheiros, outrora solidários e acessíveis, hoje estão tomados de doentia vaidade? Vaidade que os deixa cegos, incapazes de ao menos lembrar de nossas bandeiras históricas? Até quando vamos assistir passivamente valorosos companheiros irem embora desiludidos?

Então, vamos conversar sobre isso?



[i] Luciano Oliveira é militante do PT de Sapucaia do Sul.

Um comentário:

  1. O racismo é estrutural em nossa sociedade, nenhum partido está distante dessa realidade mas precisamos combatê-lo com todas as ferramentas disponíveis, e uma das formas em que possamos combatê-lo é a de uma construção e organização partidária, construir secretarias é uma forma e colocar coeficiente em diretórios e executivas todas as formas minoritárias existentes em nossa sociedade em setores estratégicos no partido são importantes mas todas são insuficientes, como já me expressei em diversas vezes precisamos de uma organização e estruturação partidária um partido que não só pense os movimentos mas seja parte deles queremos que todas as formas de organizações que lutem contra o racismo e toda forma de exploraçao do capitalismo, encontre dentro do PT o partido capaz dessa transformação, e isso inevitavelmente nos coloca em outra forma de resistência onde coloca-se a luta institucional en outro plano em em outra visão,isto é o PT foi seduzido pelas instituições e até vítimas dessas próprias isso tudo é debate dialético e profundo!

    ResponderExcluir