Paulo
dos Santos[i]
13 de julho de 1990 é sancionada a Lei
Federal nº 8.069, o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA. Fruto de
mobilização popular, o Estatuto chega como uma ferramenta importante para a
garantia dos direitos de crianças e adolescentes em nosso país.
Dois anos antes, o Congresso Nacional havia promulgado a Constituição Federal de 1988, que já previa, no seu artigo 227 o “dever da família, da sociedade e do Estado assegurar” direitos fundamentais às crianças e aos adolescentes, “com absoluta prioridade”, tais como “o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação,” etc. Ou seja, nos propúnhamos a abandonar um passado em que crianças e adolescentes eram tidos como “menores”, sob a guarda de uma legislação os inferiorizava em relação à cidadania: o Código de Menores.
O ECA fez mais do que romper com aquela
legislação atrasada, foi uma busca no sentido de superar a ideia do legislador
de que era preciso afastar da sociedade “os menores que infringiam a lei” e puni-los.
A mobilização para a criação e sanção do Estatuto, traz a ideia de que uma nova
sociedade pode ser gestada a partir do acolhimento, do direito, do
reconhecimento de que todas as crianças e todos os adolescentes são pessoas de
direitos.
O Sistema de Garantia dos Direitos foi sendo
construído e organizado. O entendimento de que era preciso articular e integrar
sociedade civil e poder público no sentido de promover, defender e controlar a
efetivação dos direitos de crianças e adolescentes foi algo que se tornou
manifesto e possível. Conselhos de Direitos, com a função de deliberar sobre a
política e de fiscalizar a sua implementação, foram sendo instalados nos municípios,
nos estados e na União. Conselhos Tutelares, com a tarefa de salvaguardar
direitos e garantir a sua efetivação, foram sendo implantados nas cidades de
todo o Brasil.
Novas realidades foram atualizando as
práticas. O Conselho Tutelar passou a ser um órgão eleito por todos os
moradores das cidades com direito ao voto. Os Conselhos de Direitos passaram a
ser figura protagonista da política. Os municípios começaram a lidar com a
ideia de um Fundo único e exclusivo para gerir a política pública. Conferências
nos três níveis da federação foram fundamentais para mobilizar os mais diversos
atores, sobretudo as próprias crianças e adolescentes. Mais adiante, com toda a
reorganização da política de assistência social, passaram a fazer parte dessa
rede de proteção os Centros de Referência de Assistência Social – CRAS – e os
Centros de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS. Ou seja, a
partir de 1990, a política foi sendo atualizada a começar por uma prática que
envolvia não somente o poder público, o poder político, mas também organizações
não-governamentais e pessoas engajadas na ideia de construir uma sociedade mais
justa, igualitária e fraterna.
Por outro lado, sempre houveram aquelas
pessoas saudosistas do pensamento repressor, que nunca negaram seu
posicionamento retrógrado diante das lutas e da mobilização da sociedade por
mais direitos. O Estatuto da Criança e do Adolescente, em não raras vezes, foi
atacado, inclusive por parlamentares, como uma legislação “branda e permissiva”.
Frentes conservadoras se formavam em defesa da redução da maioridade penal, ou
da completa exclusão do Estatuto. O atual presidente da República, inclusive,
junta em torno de si todas aquelas pessoas que sempre defenderam a revogação do
ECA. Chegou a se ouvir, pelo próprio presidente, quando ainda deputado, que era
preciso “jogar o ECA na lata do lixo”. Quer dizer, a implementação do Estatuto
da Criança e do Adolescente, bem como a implementação e efetivação dos direitos
às crianças e aos adolescentes sempre foi algo de constante luta, e que, por
isso mesmo, requereu, e ainda requer, mobilização popular.
Por isso, 30 anos depois, ainda não se
tem nada garantido. Ainda precisamos seguir mobilizados. Os Conselhos de
Direitos, nesse momento, precisam ser um canal de resistência. Seus assentos
devem ser ocupados pela sociedade civil, com vigor. As crianças e os adolescentes
precisam entrar nas suas plenárias, gritar pelos seus direitos, e aos
conselheiros e às conselheiras, lhes cabe abrir os microfones e lhes amplificar
ainda mais a voz. Os Conselhos Tutelares precisam estar altamente comprometidos
com a luta daquelas e daqueles que não se dobram diante das injustiças. Os
Conselheiros Tutelares precisam estar junto das crianças e dos adolescentes
para lhes garantir que nenhum direito seja violado e que o poder público seja
responsabilizado por quaisquer práticas que atentem contra o legislado.
São 30 anos. E são momentos de constante
mobilização. Não baixaremos a guarda!
[i] Paulo dos Santos é Cientista Social/UFRGS, mestrando em Ciência Política pelo Programa de Pós-Graduação/UFRGS, ex-presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Sapucaia do Sul e Secretário de Formação e Educação Política do PT Sapucaia do Sul.
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