quinta-feira, 11 de junho de 2020

Não estou conseguindo respirar... Só gritar já não basta!

Luciano Oliveira é militante do PT de Sapucaia do Sul.


                                                                                                               Luciano Oliveira[i]


¨Não haverá nem descanso nem tranqüilidade na América, até o negro adquirir seus direitos como cidadão¨.   Martin Luther King Jr.

Sentido na pele todos os dias, por milhões de pessoas, o racismo vem monopolizando o debate nos últimos dias, conseqüência do assassinato brutal de George Floyd, negro americano, por um policial branco. Mas é importante ressaltar, que o tema racismo só se tornou pauta de discussão nas nossas televisões, rádios e jornais, fruto da reação do povo negro americano, cuja indignação mobilizou o país, e fez com que os protestos ganhassem o mundo. Só por isso, com volumosas manifestações por todas as principais cidades americanas, as emissoras brasileiras foram obrigadas a dar destaque. Normalmente, a imprensa brasileira se omite quando se trata de casos de racismo no Brasil. Não são poucos os casos de assassinatos de negros por parte da polícia, porém sempre se dá pouca repercussão. Dessa vez, no entanto, o barulho é grande, não dá pra fingir que não estão vendo.

Surgiram alguns artigos pretendendo explicar os motivos pelos quais os afroamericanos reagem diante de atos racistas, e os afrobrasileiros não. Li um texto em que o autor cita como causa principal o fato de que o negro brasileiro não tem pertencimento, não se sente parte de um povo, no caso, do povo negro. Na minha ótica, em parte é isso, mas não só. Sem de maneira alguma querer desqualificar essa tese, ouso deixar para análise outros fatores, esses sim, a meu ver, para explicar a diferença de comportamento entre americanos e brasileiros. A abolição da escravatura nos Estados Unidos só foi possível através de uma guerra, o que forjou na mentalidade do negro americano a valoração da importância da liberdade, uma vez que pagaram um alto preço.

No Brasil, em que pese ter havido um forte movimento abolicionista, encampado por importantes figuras do império, a abolição só veio de fato com uma canetada. A partir dali, a grosso modo, foi instituída a idéia de que aos negros brasileiros, foi concedida uma benesse, o que subjetivamente leva a uma idéia de não merecimento dessa liberdade. Essa diferença, entre processos de abolição, entre americanos e brasileiros, guarda, a meu juízo, a razão da diferença de atitude entre um povo e outro, quem em tese não lutou para conquistar a liberdade, não vê razão em lutar para mantê-la. É claro que tem que se fazer uma diferenciação com aqueles negros que fugiram e se organizaram em quilombos, pois a fuga também era uma forma de resistência. Com o fim da escravização, começou ali, de certa forma, a dependência do negro brasileiro, de que outros atores agissem em seu favor, 132 anos depois, a situação não mudou. Outra coisa é a falta de identidade, muitos negros brasileiros, saem das favelas, fazem sucesso no futebol ou na música, e deixam de ser negros.

Nos Estados Unidos, os negros perceberam muito cedo a necessidade de pertencer a um coletivo, pois o modo de vida americano logo lhes mostrou que só eles poderiam fazer por eles, e não esperar nada do Estado. Foi o que fizeram, se organizaram como povo. Aos poucos, se deram conta que para ter vez nesse modo de vida, teriam que dispor das mesmas ferramentas que os brancos. É lógico que ainda hoje existe muita desigualdade, que boa parte da população negra americana ainda sofre os efeitos do racismo, mas é inegável que em matéria de progresso intelectual e econômico, o negro americano está à frente do brasileiro. Nos EUA, é comum ter canais de televisão de negros para negros, universidades de negros para negros, rádios de negros para negros, jornais de negros para negros e também um segmento de cinema, de diretores negros, que fazem produções cinematográficas valorizando os artistas negros.

Diante da intolerância e da incapacidade de raciocínio de algumas pessoas, pode aparecer alguém que venha com a velha conversa de que tanta estrutura direcionada aos negros reforça o racismo. Não, a criação dessas estruturas alimenta o sentimento identitário, quando o negro consegue se enxergar nos lugares de destaque, sua autoestima se eleva, ele passa a se sentir sujeito de direitos. Com tudo isso, o negro americano se acostumou a ver seus iguais em espaços de poder, como conceituados acadêmicos, empresários de sucesso, juízes da Suprema Corte, Prefeitos, governadores e até já elegeram um negro Presidente da República, coisa que no Brasil, não sei se um dia acontecerá.

Por tudo o que mostrei, eles reagem. Eles reagem porque se assumem. Eles reagem porque se sentem um povo, um povo orgulhoso, enquanto nós não conseguimos ainda entender a lógica da dominação racista, que naturaliza a matança dos nossos jovens negros, e aceitamos passivamente um negro colonizado, ocupando um espaço de poder, dizer que a escravidão foi benéfica para os negros.            



[i] Luciano Oliveira é militante do PT de Sapucaia do Sul.


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